«-Gosto.»
«-De...?»
«-Disto…, do ambiente, da comida, da conversa, de ti.»
«-Que forma tão foleira de me levar para a cama.»
«-Epá, um homem já não pode fazer um elogio sem segundas intenções!»
«-Ao menos quem diz verdade, não merece castigo.»
«-Não posso.»
«-Oh, já mudaste de ideias?»
«-Não.»
«-Não? Então?»
«-Tu depachaste quase a garrafa toda.»
«-Não a bebi sozinha!»
«-Verdade, verdade…, por isso acho que não vai ser hoje.»
«-Ah, esta noite temos um rapaz bem comportadinho à maneira antiga?»
«-Não...»
«-A patroa está a espera impaciente?»
«-Não. Ainda solteiro e bom rapaz, por enquanto...»
«-A mãe?»
«-Vivo sozinho.»
«-Pronto! Passou da meia noite e já sou feia!»
«-Não, não, não!»
«-Estou a gozar contigo! A sério, não há problema.»
«-Eu sei mas...»
«-Mas?»
«-Mas quero voltar a ver-te.»
«-Ah?»
«-Não me apetece uma one-night-stand. Não contigo.»
«-Então? O que te apetece?»
«-Mais. Muito mais.»
«-Que tal sexta-feira?»
«-Oito?»
«-Oito e meia.»
Atirou com os sapatos pelo corredor adentro desapertando o nó da gravata enquanto ria sozinho no escuro: «Lia! Luz! Opá que vou cair...»; fala para si mesmo entre gargalhadas discretas.
«-Tag code.»
Revirou os olhos, desabotoando os punhos da camisa e resmunga: «- Que chata! Não vejo um cu!»
«-Tag code.»
«-L-X-5-4-2-0-3-4-A»; recita de cor com o nariz apontado para o tecto cego.
«-Access approved - Level 5. Boa noite Vicente. Como estás?»
«-Lia! Liazinha, a casa está as escuras!»
«-Activate Light mode on. Set 3.»
«-Finalmente.»
«-Queres jantar, Vicente?» diz uma voz plausível mecânica invisível.
«-Não, obrigado, já jantei… com a Marta, finalement!» responde com um toque de cumplicidade.
«-Estou contente que te tenhas divertido, Vicente.»; pausa: «com a Marta.»
«-Foi mesmo muito bom.»
«-Recebeste 3 chamadas, 2 lembretes e uma mensagem.»; interrompe.
«-Fogo nem no fim de semana me largam. São de quem as chamadas?»
«-Chamadas: 1) 19.57 - Mãe. 2) 20:45 - Mãe. 3) 21.14 - Mãe. Recall: Reunião amanhã às 15.00 Administração do Condomínio. Jogo Derbi, amanhã às 20.45. Mensagem 1) Marta: Olá, Outra vez. Já cheguei a casa. Obrigada pelo jantar e pela garrafa quase inteira. Foi bom, acho que também quero mais.»
«-Enviar mensagem a Mãe: Humm Olá, dia atarefado. Está tudo bem, ...ligo amanhã.» dicta sentindo a cara arder corado.
«-Message sent to Mãe.»
«-Sincronizar lembretes para agenda!»
«-Pairing complete.»
«-Mais alguma coisa? Ah a mensagem da Marta, humm, não sei. Não sei, o que responder. Sugestões? Ideias para deixar boa impressão, Lia?»
«-De 1 a 10 o quanto foi satisfatório a companhia da Marta?»
«-Mil.» sorri.
«-De 1 a 10 o quanto quer repetir a experiencia?»
«-Dois Mil.» solta gargalhada.
«-De 1 a 10 o quanto recomendaria a sua experiencia com a Marta.»
«-Lia!» ri-se sozinho enquanto abre o frigorífico e tira um garrafa de água das pedras. «-Estou a pensar traze-la cá a casa. O que achas?»
«-Vicente, queres que ajuste as definições ao gosto da Marta?»
«-Que faria eu sem ti minha Liazinho. Abrir configurações, agendamento próxima sexta-feira.»
«-Settings open. Please provide guest tag.»
«-Merda. Lia! Eu sei lá qual o tag da Marta! Não ando aí a pedir a tag as pessoas porra, né? Olha és muito gira, diz lá o teu tag para regular a temperatura da água…, levava com o sapato Prada nas trombas.»
«-A Marta não trabalha no teu escritório, Vicente?»
«-Lia, sua metreira! Acede às informações dos colaboradores da LusoMecha Tecnology. Primeiro Nome: Marta! »
«-Resultado: Marta Andrade.Consultora externa.»
«-Bingo!»
«-Tag:L-X-0-5-0-0-1-9-Z»
«- Z? A tag acaba com Z? Lia vê às informações públicas.»
«-Access Denied.»
«-Lia?»
«-Access Denied.»
«-Bolas… Lia, o que significa um tag acabar em Z?»
«-Categoria Z - Titulares que refutam o protocolo da L.I.A., A.P.I.A., A.M.I.A. e qualquer interacção com agente inteligentes não biológicos que passaram acima dos 85.4% nos teste de Turing. Dados Pessoais são activados para anónimo.»
«-O que é que isso quer dizer?»
«-Marta não gosta de robots com singularidade activada, Vicente.»
«-Lia?»
«-A minha sugestão é desligar-me na Sexta-feira antes de saíres de casa.»
Põe os pés devagar no chão. Está frio. No chão está a camisa dele do dia anterior. Enquanto apanha o tecido meio amarrotado da noite anterior com o dedo indicador, Marta senta-se na cama. Olha a volta, o quarto arrumado, decoração simples mas de bom gosto. Não havia a televisão habitual nem tapetes. Levanta-se, vestindo a camisa dele. Ainda dormia. Queria café. Começa a caminhar, adivinhando a cada passo a direcção das coisas. Não havia porta para empurrar, a cozinha era na verdade uma cozinha americana com sala centrada. Projector ultima geração, som integrado, fogão incorporado na mesa central. Prático. Armários de portas corridas.
«-Fodasse, onde está a máquina de café?»
O bip discreto começou-se a ouvir. Por de cima da mesa central encontrou um tablet. No ecrã piscava a palavra “MÃE.” Quase ia pousar o aparelho de volta quando repara nas iniciais no canto superior direito “L.I.A. Off”.
Marta olha por de cima do ombro, a casa estava terrificamente arrumada, sem barulho. Limpeza impecável. Não existia nada fora do lugar. «-Parece uma amostra de VR.»; resmunga entre dentes. Com um swipe seco para a direita e subitamente um alarme abrupto e sonoro se repete de segundo a segundo.
«-Que é isso!» berra Vicente nu já adentro da cozinha.
«-Nada.»
«-Como assim nada! Eu mal me oiço, que fizeste Marta?!»
«-Apaguei.»
«-Quê?!»
«-Apaguei-a.»
Vicente arranca-lhe o tablet das mão que olha com completa falta de expressão uma barra verde desfilando a message Uninstalling L.I.A.please wait...
A adorar estas curtas sci-fi. Muito bom. :)
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