episódio 11 - Espelho Meu


«-Estou a ficar velha»
«-Tu e eu, Patricia.»
«-Olha-me para estes olhos, parecem pés de galinhas!»
«-Mas quando é que foi a última vez que viste uma galinha? Eu cá não me lembro.»
«-Consegues ser mesmo parvo Vitor!»
«-É a idade. Não perdoa.»
«-E tiveste alguma novidade?»
«-Nada.»
«-E já mandaste os teus homens ver em Viana do Alentejo, como eu te disse!»
«-No Alentejo? Tu queres que vá procura-la em Viana do Alentejo?!»
«-Onde mais aquela mulher poderia estar?»
«-Em Viana do Alentejo é que não é de certeza!»
«-Como podes estar ai, assim tão calmo e não usar todos os recursos que temos?»
«-Primeiro, já viste as horas? Estou cansado! E segundo: não vou arriscar a vida de homens honestos a procurar um fantasma no meio do Alentejo! Não há viva alma que possa ter sobrevivido ou que ainda consegue lá estar, Patricia! Aquilo é uma selva de toxinas! Quem é que algum dia poderia lá viver?»
«-A Lusitânia.»
«-Opá, esquece essa obsessão, mulher! Há anos que corres atrás dela. E para quê? Para viveres para sempre? P’ra quê? Aproveita é o agora, o presente! O teu marido enquanto ainda cá está!»
«-Olha para a minha cara, Vitor! E olha para a tua!»
«-O que tem o meu focinho agora?»
«-Estamos a ficar sem tempo!»
«-Que parvoíce é essa mulher! É o que acontece! Nascemos, crescemos, e depois acaba-se, volta-se para a terra. É assim, sempre foi, e há de ser.»
«-A tua falta de visão e ambição dá-me cabe dos nervos.»
«-Vem mas é para a cama em vez de estares colada aí ao espelho estressada.»
«-Isto não são rugas de idade, isto são rugas de preocupação, de medo!.»
«-’tão, vem p’ra cama preocuparte. ‘Tá frio, caralho! »
«-E aquela sirigaita que tu arranjaste só nos trouxe mais problemas!»
«-’tas a falar de quem agora? Da Marta?»
«-Esse fulaninha mesmo.»
«-Ela fez exatamente o que pediste. Desligou la a maquineta do Vicente. Ainda não percebi porquê mas a esta hora também já não quero saber.»
«-O Vicente nem a consegue ver pintada e a Ofélia nem a deixou falar quando fez avaliação. Miúda teimosa, tem mesmo o teu feito. Não saiu a mim!.»
«-Ó Patricia, porque não deixamos a miúda em paz? Depois de tudo o que passou, ela está feliz ali no cantinho dela.»
«-Mas ‘tas parvo! Ou fazte? Perder a única oportunidade de termos um mindsculpt dentro de uma tábula rasa, já imaginaste as portas que nos abre!?»
«-E nós vamos ser aqueles que vamos usar a nossa própria filha como cobaia?»
«-A nossa filha morreu Vitor! Há trinta anos atrás!»
«-Engraçado, usando essa tua lógica de que te serve todo este drama? Quando for a tua vez, mataste para que o mundo que já está com os pés na cova, tenha só uma amostra da Dona Patricia Castro? Achas que alguém vai sentir falta desse teu feitio de merda!»
«-Não sei como te aturo!»
«Nem eu! É que nem eu sei, caralho! E sabes que mais! Fica aí a chupar o espelho! Vou mas é dormir para o quarto de hóspedes! Boa noite! E bem haja!»

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