episódio 13 - Não me toques!


«-Os clones morrem novos. Quanto mais velho é o doador de célula, maior é a desvantagem do clone. A Lu tinha 38. Logo, mesmo parecendo um recém-nascido, a verdade, é que cada célula do meu corpo era a de um adulto. Julgo que ninguém estava à espera que sobrevivesse, mas tinhas que a conhecer, a Lu, nunca vi pessoa mais teimosa. Enfim passei, uma infância enfiada numa batina com o rabo ao léu até que houve aquela noite.»
«-O que aconteceu?»; pergunta Vicente.
«-A morte da minha irmã.»
«-Mas ela não está viva?»
«-Está.»

«-Ana, pequena, Ana. Acorda»; disse uma voz de tom grave. A criança virou-se, abrindo a boca, coçando o cabelo despenteado. «-Acorda. Chegou a hora.»; disse ele agarrando os ombros miudinhos obrigando-a sentar-se na cama metálica. «-A Lu?»; pergunta a criança.
«-A Lu não está nada bem, pequena. Nada bem mesmo.»
«-O que aconteceu? Ela vai ficar bem?»; nota-se na voz um medo tremido e o olho espantado com a remela ainda colada as pestanas.
«-Vai, vai tudo ficar bem, mas preciso de ti na sala de transfere, caso não corra.»
«-O que preciso de fazer?»; disse interrompida por uma tosse seca que a fez cuspir sangue para a palma da mão.
«-Está a piorar isso.»; ela encolheu os ombros. «-Vou administrar-te um remédio que vai fazer-te sentir melhor. Pelo menos por enquanto.»
«-A Lu?»; insiste.
«-A Lu está a morrer, estamos a copiar a mente dela agora. E vamos tentar o transfere para uma tábula rasa ainda esta noite.»; explicou, mas sem preocupação que ela entendesse, enquanto injetava um líquido pelo tubo do cateter ligado ao braço manchado com hematomas.
«-E eu?»
«-Tu, minha pequena, és o plano B.»

Andaram de mãos dadas pelo corredor, com ela descalça. As pernas tremiam-lhe quando reparou na figura miudinha deitada numa maca. Ainda respirava e gemia. Ana apertava com mais força a mão do estranho.
«-Tira-a daqui!»; grita a voz que ela reconhece.
«-Lusitânia, não há tempo a perder.»; dirigiu-se para um dos grandes ecrãs ligado a máquinas e mais máquinas. Haviam tubos e cabos espalhados pelo chão branco de azulejo frio.
«-Tira-a daqui!»; repete.
«-O scan está quase completo, daqui a alguns minutos vais perder consciência e podemos iniciar o transfere.»
«-Pará, não lhe toques!» continua, começando a pontapear levemente o lençol que lhe cobria o corpo. Do outro lado do quarto, sobre uma maca estava outra pessoa deitada, despida, sem se mexer. Ana perguntava se era aquilo que o homem estranho chamava de tábula rasa. Ana, sem ele se aperceber, aproxima-se e estica a ponta dos pés para ver quem era ou o que era. Parecia exatamente a sua irmã, mas mais nova, menos cansada. A cor pálida da pele, era contornado por cabelo prateado em vez dos cabelos longos encaracolados. Não havia sardas a salpicar-lhe o rosto. As unhas não estavam roídas, o rosto liso e imaculada. A barriga sem estrias e o umbigo ausente. Ana nunca percebeu quem ou que era, mas era perfeito.
«Tira-a daqui! Pára! Pará, por favor…»; gemeu enquanto perdia a voz.
«-Ana afasta-te!»; ordena, empurrando-a para o chão. «-Queres mata-la mais uma vez, porcaria de fedelho!»; a criança começa a chorar e deixa-se ficar no chão.
«-Quanto mais choras  menos mijas!»; disse o homem voltando a focar-se diante do ecrã. Ana espreita a irmã entre lágrimas que começava a fechar lentamente os olhos.
«-Lu? Lu!»
Passado uns longos instantes, subitamente sentiu uma presença atrás dela abraçando-a que lhe interrompe o choro: «-Vá, vá já passou. Não devias estar aqui. Desculpa, Ana.»; é a voz da irmã.
«-Lusitânia! Não lhe toques, ainda não fiz ainda qualquer rastreio! Ela pode contaminar!»
Ana virou a cara e olhou para o rosto inalterável que exibia uns olhos vermelhos vivos e elétricos: «-Lu? És tu?»; vira a cara para o outro lado da sala e repara no rosto inanimado deitado na maca. Não entendia, mas sentia que qualquer coisa fez com a que a irmã mais velha tivesse passado de um lado para o outro.
«-Tu! Como atreveste a envolver uma criança!»
«-É um clone!»
«-Como te atreves meu ordinário! Não foi o que combinamos!»
«-E se falhasse Lusitânia, morrias porra!»
«-O propósito era copiar-me para um SiC e depois fazias a transferência, puta da incompetência!»
«-Lu, mas resultou!»
«-Filho da puta!»; grita ao levantar-se largando os braços pequenos. Dirigiu-se a ele, e mesmo sendo de estrutura baixa agarrou-lhe pelo pescoço com uma mão. Ana só lhe conseguia ver os olhos vermelhos cintilantes de raiva enquanto o homem perde equilíbrio sufocando de joelhos diante da mulher nua.
«-Lu…»
«-Eu disse nunca a minha irmã!» e largou o corpo morto no azulejo branco. Ana note-lhe os olhos mudarem de cor viva magenta para um cinzento sem brilho. Havia qualquer coisa que nesse homem se tinha desligado. A mulher virou-se para a pequena baixando o torso na sua direção. «-Ana.»
«-Lu?»
«-Anda, vamos sair daqui.»; sugere a agarrar na mão pequena.
«-Ele está…?»
«-Não te preocupes, é só uma máquina. Não é pessoa e nunca foi. Ninguém vai dar pela falta, meu amor.» Lusitânia subitamente solta um grito.
«-Lu!»; exclama a criança sentido a mão da mulher soltando-lhe os dedos. «-O que se passa?»; pergunta pegando de volta a mão da mulher.
Lusitânia volta a gritar, escapando a mão de novo.
«-Fui eu que te magoei?»; pergunta Ana com os olhos molhados apavorados.

Sem comentários:

Enviar um comentário